segunda-feira, 14 de abril de 2014

QUADRILHA

A voz foi ficando cada vez mais fraca. Em vão, o homem tentava reavivá-la na garganta. O que aconteceu  O  cachorro esperava  que o dono resgatasse a voz para comandá-lo: aiô! (Para onde ? ) Porém viu que o dono não conseguia pronunciar um ai. Uma mulher que passava por perto percebeu o drama do homem. Estava com muita pressa, não queria parar. Foi andando e ficou  O que aconteceu, e ao virar o o pescoço pra trás viu a expressão de desespero do cachorro. O desespero do cachorro. Voltou para trás e, ao lado do  homem agoniado perguntou Moço você está bem. O homem não falava nada, como se tivesse engasgado uma palavra muito grande e não conseguisse cuspir. A mulher, então, deu um tapa forte m suas costas. Lembrou das vezes em que engasgava, criança, e repetiu o  gesto, instintiva. O tapa foi tão forte que o homem caiu estatelado no chão. O cachorro latiu para a mulher. A mulher começou a rir, riso nervoso.  O homem levantou, confuso, ainda estava tentando falar alguma coisa. Mas não saía nada. Mas no seu rosto se via uma expressão de profundo horror O que aconteceu. Agora, ele é que perguntava.  Vendo, à sua frente, a mulher rir enquanto ele se estatelava no chão, ficou irritadíssimo. Levantou, sem ainda conseguir falar um ah, e dirigiu-se à mulher. Antes de descarregar a raiva sobre ela,  o  cão mordeu a mulher . Outra mulher que passava por ali, vendo o homem se dirigir com raiva em direção à mulher, correu na frente dele e deu uma sacolada. As compras que estavam dentro da sacola caíram. Laranjas se espalharam, um pacote de espaguete se abriu, e alguns tomates se espatifaram. O homem ficou tonto com a sacolada e caiu de novo. Seu rosto ficou manchado com os tomates. A mulher ria de nervoso gritou, achou que ele estava sangrando. A outra mulher, a que estava passando, a puxou pelo braço, queria levá-la a um posto de saúde Estou bem, é ele quem está sangrando, gritou, apavorada. A outra mulher queria a todo custo levá-la para um posto. Nisto, um ciclista  viu a mulher nervosa dar empurrão que derrubou a outra. O cicliista pulou da bicicleta e agarrou a mulher nervosa, pensando se tratar de um assalto. O homem engasgado  havia se recuperado da sacolada e se levantou. Viu o ciclista agarrar a mulher nervosa Ladrão, pensou. Pegou a bicicleta dele e a atirou contra o muro. O ciclista largou a  mulher nervosa e deu um soco no homem engasgado. A mulher das sacolas de supermercado levantou-se e começou a distribuir sacoladas em todo mundo. Alguém da vizinhança chamou a polícia. A polícia veio logo (não sei como, em geral levaria duas horas ou nunca viria) e  levou a quadrilha pra delegacia. 

O delegado encontrou um bando de homens e mulheres com hematomas e olhos roxos Barbaridade. Barbaridade, lamentou-se. É o que eu digo, vivemos numa barbaridade. Os policiais pensaram que o delegado ia começar a fazer um sermão. O chefe tirou da gaveta cheia de emblemas e insígnias um livro envolto num pano preto O que está acontecendo, perguntavam-se. Em vez de mandar distribuir uns sopapos em todo mundo e levá-los  para o xadrez, o homem iria fazer um sermão. O delegado gostava de dar uma de juiz. Abriu o livro e disse Amai-vos uns aos outros como amas a ti mesmo. Amai-vos uns aos outros ? Por esta nem os baderneiros esperavam. O cachorro, que teve as patinhas pisoteadas na confusão,  começou a uivar. Um dos policiais ameaçou dar uma coronhada em seu focinho,  O dono do cachorro apertou o focinho dele. A mulher que teve pena dele agora teve pena é do cachorro, que afinal, também é um ser vivo com direitos como todos nós...mas sob a  sombra do delegado eles se retraíram. O delegado fechou a Bíblia. Já ia mandar os policiais recolheram os meliantes. quando o ciclista perguntou O que aconteceu, afinal ? O homem engasgado ia responder, mas a voz não saía. O cachorro, para ajudá-lo, mordeu a perna do delegado. Muito puto, o delegado derramou lágrimas por ser tão bondoso. E mandou prender a todos, e recolher o assassino a uma carrocinha para virar salsicha.    

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